Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.
Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,
Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,
Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.
Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lembra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.
Fernando Pessoa
4 comentários:
Bastante negro, este poema..mas muito bom.
Pessoano, ando eu também, por estes dias.
Ainda que ela não seja tudo, é um Tudo que nos assalta!
Adorei este blog "desinteressante" e "chato"... As músicas escolhidas são fantásticas e os textos são ou nocturnos ou becos escuros...
Beijos
Caro Odradek, já sabe que este é meu canto mais negro.
Nem sempre vivo cantando e rindo...
De vez em quando somos atacados, não é, Abssinto? ;)
Bem vinda, Estranha. Ainda hoje (espera, ontem, já passa da meia noite) estive a cuscar o teu cantinho. Nem sempre comento o que leio. Por vezes porque nem se sabe muito bem o que se dizer...
(ab)sorve-se simplesmente. :)
Mas com tempinho lá hei-de deixar a minha palavrinha! ;)
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