quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Retrato de uma Sombra

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
as tuas sobrancelhas, orla do caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campo de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, álamos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

Paul Celan em A Morte é uma Flor

2 comentários:

R. disse...

A partilha tem destas coisas.Gostei muito!

*

Ninguém disse...

Gosto muito de Paul Celan. Tanto que tenho cá dois livros emprestados há séculos! :D (O Odradek mata-me)