quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

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Os três Milone, muito pobres, há muito tempo que não entravam num cinema ou num café. Passear era o único divertimento da sua vida.
Um dia, tendo saído á hora do costume e subido a Via Cola di Rienzo até quase à Piazza Risorgimento, a atenção dos três Milone foi atraída por uma loja nova, que abrira como por magia no lugar onde até ao dia anterior existira um tapume poeirento. O brilho dos vidros não deixava ver a mercadoria. Os três caminharam até à loja e em seguida, sem pronunciar uma palavra sequer, descreveram um semicírculo no passeio e alinharam-se frente às montras.
Agora viam claramente a mercadoria: felicidade. Os três Milone, como todas as pessoas deste mundo, tinham sempre ouvido falar dessa mercadoria, mas nunca a tinham visto. Falava-se dela como de algo muito raro, de uma raridade lendária até, quase duvidando que existisse realmente.
(...)
Nas montras, por sua vez, as felicidades, como muitos ovos de Páscoa, apresentavam-se em ordem decrescente, para todos os bolsos. Havia pequenas, médias, e havia gigantescas, talvez artificiais, colocadas ali para publicidade. Cada felicidade tinha o seu respectivo cartãozinho com o preço escrito em itálico elegante.
(...)
«É uma coisa supérflua», respondeu o velho. «Antes de mais nada, é preciso pensar em comer... primeiro o pão, depois a felicidade... mas já se vê, este é o país do contra-senso: primeiro a felicidade, depois o pão...»
«Estás a levar isso demasiado a sério», observou amavelmente a mulher. «De acordo, tu não precisas de felicidade... mas nem toda a gente é como tu.»
«Eu, por exemplo...» arriscou-se a filha.
«Tu, por exemplo...» retorquiu o pai em tom de ameaça.
«Eu, por exemplo», acabou a rapariga quase desesperadamente, «só para saber como é, uma felicidade, uma das pequenas , até gostava de a comprar.»
«Vamos embora», disse o velho tétrico e peremptório, «vamos embora.»
As duas mulheres deixaram-se levar docilmente. Mas o velho agora estava irritado. «Não esperava isso de ti, Giovanna.»
«Porquê, pai?»
«Porque aquela mercadoria é coisa de contrabandistas, de ricaços, de milionários... um funcionário do Estado não pode nem deve desejar a felicidade... tu, ao dizer que gostarias de a comprar, estás a dar prova pelo menos de inconsciência... (...)
A filha tinha os os olhos cheios de lágrimas. A mãe disse: «Vês como és, só a sabes magoar. Afinal, não tem nada na vida, é jovem, o que há de estranho no fcto de desejar a felicidade?»
«Nada... o seu pai dispensou-a, pode dispensá-la ela também.»
(...)
«Sabem o que acho? Que se trata de mercadoria falsificada.»
(...)
«Mas as pessoas compram-na», atreveu-se a mãe.
«O que é que as pessoas não comprariam... vão ver em casa, dentro de poucos dias... vigaristas!»
O passeio continuou. Mas Giovanna bebia as suas lágrimas e pensava que, mesmo falsificada, teria gostado da felicidade.
Felicidade na Montra, Alberto Moravia, em Contos Surrealistas e Satíricos.

3 comentários:

R. disse...

começa a ensaiar,indo eu,indo eu,a caminho de Bijeu ;)

(temos mesmo que combinar qualquer coisa)

Beijocas

Ninguém disse...

Ensaiadíssimo! Sim, pois temos. E para breve!Não?
Vê como te dá mais jeito. De qualquer forma, Ninguém e companhia também podem dar uma de turistas por aí, cuscar tudo, ver os ditos biscoitos que a Post-it me falou enquanto poderás estar a trabalhar ou assim. ;)
Já há-de faltar pouco... queria era mehor tempo, que a chover não dá jeito...

Beijooooooooo

R. disse...

A mim dá-me jeito de todas as maneiras,quando quiserem :) mas com solinho a bater na moleirinha,parece-me ainda melhor :)

Beijo