segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A Lista


Era um quase fim de mundo. Não de uma forma que poderia ser imaginada, mas num esgotar de energias, em êxtase, até às últimas consequências.
Restaram uns poucos sobreviventes, espalhados pelo mundo, todos surdos.
O que se perceberá, de certa forma.

Começou isto de forma inofensiva, com dois estranhos e uma oferta que inicia o contacto diário entre eles. Desconhece-se o que os levou a manter tal conversa diária, mais recheada de troca de música que assuntos pessoais.
Espanta mais ainda o fenómeno de decidirem criar em conjunto uma lista de músicas - a banda sonora perfeita para qualquer "dança do pombo" que se preze - com um nome que não deixa espaço para enganos, mas algum para a imaginação.
O nome da lista não será revelado, para evitar pesquisas e inevitáveis consequências a quem a procurar. Para o caso de ainda restar alguém bom de ouvido...

A lista cresceu diariamente, tomando proporções que vieram a causar danos irreversíveis e tensão de fazer saltar peças de roupa sem que mão lhe tocasse.
Diz-se que ouvida a sós, só causava insónias, inquietação e o síndrome de pernas irrequietas... o problema surgiu quando se ouvia acompanhado.

Um dia encontraram-se. Com direito a jantar e a ouvir a sua banda sonora, ignorando ainda os efeitos.
E assim foi.

As atenções focam-se agora na vizinhança, que tendo paredes finas, ouviam perfeitamente a banda sonora.
Ao fim de umas músicas, em shuffle (pormenor que ainda se investiga como tendo ou não interferência nas consequências resultantes da audição da lista), começaram a surgir suspiros espalhados pelos diversos andares, seguidos de silêncios, depois de ruídos como que semelhantes a problemas de canalização a ecoar pelas paredes...
Instalou-se a curiosidade dos que estavam mais afastados, que vendo roupa a voar varandas fora, se aproximaram para ouvir e pesquisar que musicas seriam.

No dia seguinte a vizinhança que se via pela rua era em menor número. Alguns de ar sorridente e exausto, a tomar o pequeno-almoço pelas 20h.
No dia seguinte eram ainda menos...

Planearam eles, antes que isto terminasse como terminou, fazer a experiência por cafés, salas de aula, salas de cinema, teatro... e usar protecção de ouvidos, desconhecendo os efeitos após exposição prolongada à lista.

Deles mais nada se soube.

Do resto da humanidade, bom, já tomaram conhecimento.
Está ainda por se entender aquilo a que se assistiu... mas julga-se que os finados terão ido felizes, a avaliar pelas rosáceas até ao último suspiro e pelo ar de missão cumprida com que se foram.



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