terça-feira, 26 de novembro de 2013


Contrariada, Circulina cedeu ao convite, após 300 recusas com desculpas esfarrapadas, uma das quais que a gata tinha que comer e outra que o cacto estava a dar o seu último suspiro depois de 2 anos sem pinga de água.
Cedeu apenas com metade de má consciência por aproveitar a boleia para ir fazer as suas compras, matando assim dois coelhos numa só cajadada. - expressão que, sublinhe-se, abomina como defensora dos animais que é.

No fundo, queria arrumar de vez este assunto, para desmotivar de qualquer novo avanço e evitar o desconforto de mais mensagens inadequadas.
Havia limite para a capacidade de se fazer burra e dar respostas de criatura abençoada pela eterna santa inocência.
O lanche prometido aconteceu, já em bocejo, no pós-compras, que Circulina não suporta ser constantemente interrompida, principalmente quando pouco fala (quase jurava ter sentido o sobrolho com vida própria e um rosnar quase a tornar-se exterior).
Além do mais, não suporta manter o sorriso de gato de porcelana por mais de 5 minutos - experiências anteriores comprovaram que era a causa das suas fortes enxaquecas.

Ouvir falar do gengibre, das suas propriedades e consequências em caso de excesso, uma vez tinha bastado... Ler "lol" e ouvir "bué" assim, causa-lhe alguns refluxos a que vos pouparei a descrição.

O píncaro do dia foi ter que ouvir falar de refeições de fruta, da desintoxicação do organismo, enquanto tentava abocanhar o seu scone bem cheio de doce de abóbora com noz. Decidiu que desatar a lambiscar os dedos com consolo, mostraria a sua discordância ou mesmo desprezo pelo assunto.
Esforçou-se à grande para ser desagradável, algo que lhe começava a ser comum, enquanto se continuava a lambuzar de scone com doce, descrevendo como os seus pequenos almoços eram tão pouco dados a cuidados, constituindo-se apenas de uma bela caneca de leite bem cheia de chocolate e que em caso de um segundo pequeno-almoço, em dias que se acordava muito cedo, seria exactamente a mesmice guloseima, sem dó, sem remorsos, sem problemas com monotonias neste campo.
E arruma o assunto com a afirmação de que comer é um dos maiores prazeres desta vida.

Mas os assuntos entediantes surgem em determinadas pessoas com a mesma facilidade com que Circulina se entrega ao tédio ao ouvir a maioria delas.
Seguiu-se assim um monólogo - que aí já havia desistido de abrir a boca senão para amarfanhar os scones -
acerca do escritor XPTO que faz umas belas metáforas de vida com macacos, frascos e nozes, que a fez perder a noção da educação, soltando livremente um outro bocejo.

Dizia ele que a tinha convidado para o concerto da noite anterior porque a sabia "out of the box"... Nem ele tem ideia o que é isso. Ou o quão verdade poderá (ou não) isso ser...
Escusado será referir que esse foi um dos convites recusados.
A sua vontade, para terminar de vez com aquele sofrimento, era perguntar-lhe se tinha visto o filme "Human Centipede" e descrever-lhe cada pormenor sórdido que lhe fez soltar gargalhadas e provocou o fascínio pela cabeça doente que teria tal imaginação.
Podia ainda descrever aquele hippie, no "Pink Flamingos" e a forma como cantou cheio de jeito a "Surfin' Bird", com uma parte do corpo algo inesperada. Nem precisava trazer à conversa o importante contributo do caniche para o filme. (Preocupante começa a ser as vezes que se lembra de tais filmes.)
Sentir-se-ia muito mais animada com a conversa. Mas seria só ela, na certa. Ahhh, tentação...

Talvez assim parasse de lhe chamar princesa e percebesse que o seu desagrado em ser chamada de tal bodega não se prende a uma baixa auto-estima (for god sake... porque acham estas criaturas que são terapeutas ou que percebem "o outro"?!) , mas a falta de tusa por gente cheia de de fofuras, clichés e bom karma de tirar paciência a um santo, que são vistos como o tiozinho armado em cool.
E que não encontrou outra forma, assim educada - que ainda tinha tacto - de mostrar a recusa às suas deprimentes ofertas para a aquecer, senão fazendo-se mais burra que uma bota, respondendo com o nº de cobertores somados à sua cama.

Regressou a casa, evitando o contacto visual directo com o titio cool, com uma tremenda náusea - que tem sido uma constante em períodos de convívio forçado - desvanecendo-se esta apenas na conversa diária com o encapuzado desconhecido que gargalha consigo ao saber da merda de filmes que vê, tendo alguns deles na sua posse e que, mal por mal, lhe sabe dar música...

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