quarta-feira, 23 de abril de 2008

Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.
Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,
Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,
Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.
Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lembra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.
Fernando Pessoa

4 comentários:

odradek disse...

Bastante negro, este poema..mas muito bom.

Abssinto disse...

Pessoano, ando eu também, por estes dias.

Aestranha disse...

Ainda que ela não seja tudo, é um Tudo que nos assalta!

Adorei este blog "desinteressante" e "chato"... As músicas escolhidas são fantásticas e os textos são ou nocturnos ou becos escuros...

Beijos

Ninguém disse...

Caro Odradek, já sabe que este é meu canto mais negro.
Nem sempre vivo cantando e rindo...

De vez em quando somos atacados, não é, Abssinto? ;)

Bem vinda, Estranha. Ainda hoje (espera, ontem, já passa da meia noite) estive a cuscar o teu cantinho. Nem sempre comento o que leio. Por vezes porque nem se sabe muito bem o que se dizer...
(ab)sorve-se simplesmente. :)
Mas com tempinho lá hei-de deixar a minha palavrinha! ;)